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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

TOY STORY 3 (2010)



Houve um determinado momento em que a revolucionária animação CG virou algo estritamente banal.
Já não aparentava existir nenhum novo grande avanço, afinal a técnica obviamente se aprimorava, alguns roteiros legais surgiam, e muitos ruins também.
Enquanto isso, a Pixar reinava soberana, costumeiramente com bons trabalhos, e faturando fortunas não apenas em bilheterias, mas também em produtos licenciados.
Porém, era um contexto em que apesar da alta qualidade atingida, parecia existir um nível insuperável, uma estagnação no ponto máximo de apuro técnico possível de ser alcançado.

Ao retomar a trama do filme que inaugurou essas novas possibilidades cinematográficas o que poderia ser feito para que isso não se tratasse de apenas mais um filme, que não fosse apenas bem sucedido comercialmente, mas também digno da importância da franquia à qual estaria dando continuidade?
Obviamente que sendo uma obra com o selo de qualidade da Pixar o roteiro deveria ter algum questionamento humano norteando o enredo.
E nesse terceiro ato o tal questionamento é especialmente um resultado da evolução e construção da personalidade do seu protagonista.
O cowboy Woody sempre foi o pilar emocional da exótica família de plástico e movida a pilhas, baterias, etc, que habitava o quarto do garoto Andy. Eram as suas certezas que na maioria das vezes eram desconstruídas, e o seu aprendizado era frequentemente o que o público guardava ao fim da sessão.

Sua estruturação de herói exemplar sempre esteve no limite de uma fé incondicional, que diante da adversidade era destruída e fortalecida quando redescobria as razões de sua confiança.
Além disso, os roteiristas não ignoraram um detalhe imprescindível nesse novo episódio: o público que acompanhou os filmes desde o lançamento do primeiro Toy Story, cresceu.
A história respeita isso, e faz questão de inserir maturidade na forma de contar o que poderia muito bem ser o desfecho da franquia.

Afinal, esse filme é um rito de passagem para todos os personagens, humanos ou brinquedos, e também para a plateia.


Impossível não reconhecer a absoluta humanidade no que alimenta a busca dos brinquedos por aceitação, de encontrar em seus donos a devoção que eles constantemente lhes dedicaram.
Ao desenvolver essa ideia, dessa vez o panorama torna-se bem mais sombrio, com ares trágicos, e inteligentemente o roteiro revisita o subgênero dos filmes de prisão. Sem a caricatura ou a violência, mas com sua forma e potencial intensidade exploradas com maestria.
A edição e o visual deslumbrante são os aliados do diretor Lee Unkrich, que demonstra que basta relatar uma história com integridade e criatividade para obter um grande filme, afinal, as relações humanas já possuem doses suficientes de humor e ironia naturalmente.


Não se engane achando que esse é somente um filme infantil, meramente pelo fato de que os seres humanos são apenas coadjuvantes, ou na maioria das vezes figurantes.
Talvez não pareça, mas ainda que os brinquedos que protagonizam o filme não possam crescer, os adultos na plateia podem ver neles o reflexo do seu amadurecimento, e dos valores primordiais que deixamos pelo caminho à medida que nos consideramos velhos demais para enxergar valor nas coisas simples.

A Pixar novamente estabelece um novo patamar de qualidade e um de seus melhores filmes.
Porém, agora fica a questão: será que Toy Story 3 tem chance no Oscar?

Quanto vale: 2 ingressos.

Toy Story 3
(Toy Story 3)
Direção: Lee Unkrich
Duração: 103 minutos
Ano de Produção: 2010
Gênero: Drama/Comédia/Aventura

domingo, 26 de dezembro de 2010

(500) DIAS COM ELA



O subgênero das comédias românticas está decadente.
E eu digo isto não devido a alguma crença ou filosofia particular de minha parte.
Trata-se de uma constatação fundamentada pela enfadonha superficialidade dos roteiros que tornou toda uma leva de filmes apenas cópias uns dos outros.
O público simplesmente conformou-se e passou a investir seu tempo para assistir as mesmas ideias e fórmulas prontas, desde o início até a reviravolta de sempre no final, ou seja: depois de tudo, eles vão se separar, mas um deles descobre que não pode viver sem o outro, e então corre até o aeroporto, ou local similar que representa a distância intransponível entre os dois. E no último instante, eles ficam juntos.
Ser previsível agora é vendável, e diante disso, pra que inventar algo novo?

Com uma carreira bem-sucedida dirigindo videoclipes, Marc Webb realizou este primeiro longa-metragem sem provocar grande expectativa.
Recentemente, com o anúncio de que seria o novo diretor da franquia do "Spiderman", tornou-se o assunto do momento, tanto para críticas prévias ao seu trabalho ainda não filmado, quanto para despertar a curiosidade quanto ao que ele poderia fazer no reinício (ou continuação) das histórias do personagem na telona.
Mas para ter alguma ideia do trabalho dele, “(500) Dias com ela” é o principal referencial disponível.
E sim, o filme é uma legítima comédia romântica.

Recortado e distribuído semelhante a um quebra-cabeças, o pequeno conto de fadas moderno narra a história do tragicômico romance entre Tom e Summer.
Personagens típicos, comuns desse tipo de filme, as diferenças entre eles, meio “Eduardo e Mônica”, só representam a certeza de que foram feitos um para o outro. Certo?
Não necessariamente.

A plateia ainda não sabe, porém o que virá a seguir é uma demonstração da incapacidade humana de enxergar as coisas sob outra perspectiva, quando observar apenas os detalhes positivos é muito mais legal e confortável.
Enquanto o protagonista percorre aleatoriamente os 500 dias de seu desafortunado, apesar de inicialmente promissor envolvimento amoroso com seu interesse romântico, o próprio cineasta busca encontrar as razões pelas quais a situação do casal fugiu do controle.

Para isso, investe nas mais variadas formas de linguagem, fundindo referências com cuidado e os maneirismos aprendidos com a indústria de videoclipes. A edição, as escolhas estéticas às vezes com um ar quadrinhesco, mudanças de pontos de vista, ou mesmo a apresentação de mais de um ponto de vista simultaneamente buscam justamente isso.
Além disso, “(500) Dias Com Ela” é um exemplo de escolha perfeita de trilha sonora no cinema, levando-o a dialogar com os musicais cinematográficos. As músicas interagem com o espectador com extrema naturalidade, complementando o roteiro do filme e tornando cada eventual passagem de tempo um momento a mais para inserir dramaticidade no filme.
Marc Webb obviamente optou por resgatar um pouco da arte antigamente parte desse filão cinematográfico, quando contar o tal romance não era o bastante e havia a necessidade de proporcionar o envolvimento com o episódio que preenchia o tempo de metragem.  


Desse modo, o diretor não necessariamente está criando algo novo, e sim relendo suas influências, modernizando-as, e desconstruindo, com um exagero de estilo e boas ideias, o padrão com que Hollywood se acostumou.

Somente assim para que a mulher que desgraçou a vida do arquiteto de nome Tom não assuma a função de vilã do longa-metragem. As diferenças entre eles, os princípios pré-definidos antes mesmos de se conhecerem e que catalisam a tragédia anunciada são tão bem construídos que a nada romântica Summer permanece apaixonante em sua pragmática forma de esfacelar esperanças alheias.
A personagem de Zoey Deschannel, que novamente põe em prática seu talento natural de roubar a cena, é um retrato pessimista de uma geração, enquanto que o personagem interpretado por Joseph Gordon-Levitt aproxima-se do outro extremo.
O olhar de Marc Webb acerca dos relacionamentos humanos não permite que haja inimigos ou arqui-rivais. A humanidade que ele expressa em seus protagonistas não pode se restringir à obsessão quase caricatural dos filmes “água com açúcar”.


E sendo assim, ao final da história nem adianta se esforçar para compreender os momentos ou motivos que significaram os pontos de ruptura no relacionamento de Tom e Summer. Não há uma ciência no desenrolar do enredo que impeça que algo similar ocorra novamente e a aceitação desse fato é a lição valiosa que o quebra-cabeça montado permite vislumbrar.
Esqueça as comédias românticas genéricas que brigam por espaço nos cinemas.
(500) Dias Com Ela” assimilou inteligência e intensidade ao seu resultado final, redefinindo o subgênero até então estagnado do qual faz parte, e tornando-se talvez o único desses filmes recentes que vale a pena assistir.


Quanto vale: um ingresso e meio.


(500) Dias Com Ela
(500 Days With Summer)
Direção: Marc Webb
Duração: 95 minutos
Ano de produção: 2009
Gênero: Romance/Drama/Comédia

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

KEEP DRAWING - Pincher, The Killer


E continuando com os esboços e ilustras que serão postadas aqui no blog, a dessa semana é o retrato fiel do ser canino do gênero feminino que defende a propriedade alugada na qual habito.
Novamente a grafite por mera questão de estilo, e porque é concluído mais rápido.

Confiram abaixo.



E até o fim de semana, nova crítica de cinema.
Aguardemos.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

PRÍNCIPE DA PÉRSIA: AS AREIAS DO TEMPO (2010)

É uma maldição conhecida.
Por motivos que ninguém consegue explicar, os games possuem uma severa dificuldade em migrar para o cinema.
Não importa se eles já absorveram a linguagem cinematográfica em seus enredos, ou quanto seja investido para que os filmes sejam produzidos. São realmente muito raras as adaptações que sejam bem recebidas pelo público e crítica. 
Na verdade, eu só consigo lembrar de duas que valham a pena ser assistidas: “Terror em Silent Hill” (2006), e “Final Fantasy VII: Advent Children” (2005). Especialmente este último.
E com certeza não faltou investimento.
Elencos famosos, efeitos especiais, e ainda assim nada funcionou.

Mas ao menos a franquia Resident Evil provou que é possível arrecadar um bom dinheiro em bilheterias mesmo não apresentando um produto minimamente aceitável.
Sendo assim, a adaptação de um game clássico e cheio de ação tende a ser no mínimo um modo prático de lucrar bastante, e se possível, criar uma nova franchise de ação.
Pelo que os trailers indicavam, o produtor Jerry Bruckheimer estava tentando isso, e um pouco mais, afinal, o contexto do jogo “Príncipe da Pérsia” trazia um aspecto épico que não poderia ser ignorado.

E é exatamente nesse fator que ele e o diretor Mike Newell investem no início do filme, não que seja recheado de batalhas entre exércitos intermináveis, mas é o modo como o combate é delineado, sustentado por uma intriga familiar que tende a conduzir a trama.
O ex-órfão Dastan, hoje um dos príncipes da Pérsia, passa a ser aquele que pode desmantelar uma conspiração para tomar o poder do reino.
Nada original, mas nada mal.
E assim passam vários minutos da metragem em que as lutas e perseguições, baseadas em grande parte no parkour, além dos efeitos especiais competentes vão mantendo o filme um divertimento suficiente para que o espectador acredite que está assistindo um dos prováveis êxitos provenientes dos games para a telona.
Ledo engano.


Esta premissa óbvia e simplória só poderia sustentar um longa-metragem caso o diretor responsável fosse capaz de tornar as novas sequências em espetáculos de ação dignos de compensar o roteiro sem nenhum aspecto realmente interessante.
Ao invés disso, o cineasta Newell perde o controle de sua obra em tentativas de soar sério, e em equívocos tentando ser engraçado.  Logo, o pouco que havia de razoável acaba indo por água a baixo quando até mesmo as lutas tornam-se repetitivas e sem graça, em um desperdício de tempo facilmente comparável ao pior longa-metragem proveniente da franquia “A Múmia”, ou seja: “O Escorpião Rei” (2002).
Enquanto isso, as atuações fracas e cheias de canastrice não ajudam, e mesmo o elogiado pela crítica em seus outros filmes, Jake Gylenhall, esquece de tudo que aprendeu a respeito de atuação para se adequar à trupe de coadjuvantes que compõem todo o elenco.
 

E quando chega a ficar claro que “Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo” não tem menor chance de ser melhor do que isso, o jeito é apenas suportar a infinidade de minutos que resta de filme, lamentando que nem os clássicos estejam imunes à maldição dos games no cinema.


Quanto vale: NEM meio ingresso.

Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo
(Prince Of Persia: The Sands Of Time)
Direção: Mike Newell
Duração: 116 minutos
Ano de produção: 2010
Gênero: Aventura


terça-feira, 7 de dezembro de 2010

GHOST IN THE SHELL 2: INNOCENCE (2004)


 

Enquanto o cinema estadunidense desenvolvia suas regras e normas de produção de superproduções que faturavam milhões nas bilheterias, o resto do mundo também definia seus rumos e estilos para o futuro da arte cinematográfica.

Distante do que Hollywood havia definido para ser o padrão que hoje vigora em 95% do que chega às salas de cinema no Brasil, cada país vinha utilizando uma variedade de elementos que viriam a concretizar a identidade autoral de seus filmes.
Pouco se lixando para convenções estipuladas para obter um blockbuster, o diretor japonês Mamoru Oshii já tinha em seu currículo o ótimo “Ghost In The Shell” (1995), e entregava em 2004 a sequência aguardadíssima desta adaptação de HQs.
E qualquer expectativa a respeito desta nova obra estava errada.


O megalomaníaco diretor estava obstinado em desenvolver todos os conceitos do primeiro longa-metragem a um extremo tão inimaginável que até mesmo resumir a história na sinopse seria algo impossível.
O futuro cyberpunk apresentado no roteiro chega a ser algo perturbador, afinal, representa o auge da obsessão humana por perfeição, o que leva à substituição do próprio corpo por peças e softwares, tornando qualquer um em computador pessoal que anda, trabalha e se relaciona com outros seres quase não-humanos.  
O que nos diferenciaria de máquinas (afinal até os cérebros utilizados são eletrônicos) seria algo chamado Ghost, o equivalente ao espírito, e esse ponto é presença fundamental nesta jornada que passeia pelos meandros da subconsciência.
Mas essa é apenas a ponta do iceberg.


Enquanto investigam uma insólita trama de assassinatos em série, os protagonistas, (os policiais Batou e Togusa) reviram a memória em um duelo para ver quem consegue mencionar mais citações de filósofos e pensadores, sempre em busca de respostas, e sempre complicando as coisas para o espectador.
E nesse ambiente em que até os humanos são seres fisicamente artificiais, tudo parece irreal, porém mantendo sua consistência ainda assim.
A fusão da trilha sonora magistral de Kenji Kawai, o balé visual quase inerte e absurdamente hiper-detalhado, além dos diálogos inspiradíssimos, resultam em um espetáculo hipnótico e transcendental. 


O visual ser perfeito é o mínimo que se espera de um filme de animação hoje em dia, mas até isso pode ser levado a outro patamar. Mamoru Oshii não se conforma em caprichar na técnica.
É preciso ir além, em uma demonstração de preciosismo que alia animação CG e convencional sem perder nunca a fluidez e ousadia na criação de cenários deslumbrantes e momentos de poesia alicerçada na parte estética e no contexto que se estabelece e se desconstrói a cada instante.
Cada segundo de metragem é investido para a consolidação de um mundo delirante, porém substancial.


Na elaborada trama sobra espaço inclusive para algumas cenas de ação que não decepcionarão os aficionados por tiroteios e explosões torácicas. Não que isso em algum ponto chegue a ser o foco da história.

Em determinado momento, quando nada mais parece ser realidade, talvez não seja mesmo.
Em “Ghost In The Shell 2” até mesmo à existência humana é dado o mesmo valor de um objeto qualquer, afinal, se o objetivo é a ilusão de uma falsa perfeição por meio da tecnologia, então porque não aceitar que desse modo nada nos distinguiria de peças de engrenagem, e que nosso propósito seria simplesmente agir mecanicamente até parar de funcionar um dia.
A perspectiva de Mamoru Oshii transforma os robôs nas vítimas subjugadas, semelhantes a escravos de nossa ambição, e questiona se uma sociedade tão degradada poderia sentir-se superior a qualquer outra forma de vida, mesmo aos seres artificiais criados pela humanidade para lhe servir.


 Dizer que “Ghost In The Shell 2: Innocence” é um novo “Blade Runner” peca não pelo exagero, mas sim por não reconhecer a força e genialidade da obra de arte surreal de Mamoru Oshii, que conseguiu não apenas uma das melhores adaptações de HQs de todos os tempos, mas também superar o seu original em uma demonstração de ousadia e estilo que transporta o espectador em uma das mais complexas jornadas pela mente humana já vistas no cinema.


Quanto vale: 2 ingressos.


Ghost In The Shell 2: Innocence
Direção: Mamoru Oshii
Duração: 100 minutos
Ano de produção: 2004
Gênero: Ficção científica / policial