Com
o passar do tempo, algo ocorre com ideias potencialmente
interessantes, especialmente se a replicação da aplicação delas
for relativamente simples.
Surgem
convenções, aspectos que são característicos, e logo a fórmula
torna-se perceptível ao público, de modo que a novidade fica pra
trás.
Os
filmes de herois estão à beira disso, ainda que alguns consigam
desviar desse caminho, sejam o “X-Men: Primeira Classe” (2011) de
Matthew Vaughn,
“O Cavaleiro das Trevas”
de Christopher Nolan,
ou “Os Vingadores” (2012) de Joss Whedon.
Mas
esse "Poder Sem
Limites" vai além da
necessidade de realizar um filme de herois interessante, afinal, aqui
existe a fusão com outra onda de Hollywood: os filmes com estética
homemade.
Neste
segmento, as produções rapidamente favoreceram o enfraquecimento da
fórmula, ao não adicionar quase nada que a mantivesse interessante
em meio ao cenário cinematográfico atual.
Missão
do diretor estreante Josh
Trank?
Mostrar
que o encontro entre essas duas tendências poderia trazer algo que
valesse assistir, assim vencendo a concorrência nas bilheterias.
Fora
o caso de franquias estabelecidas, seja o estilo fantasmagórico da
trama de “Atividade
Paranormal”, ou a
zumbificação peculiar em “Rec”,
a maioria resultou em efeito imediato (ou nem isso), e esquecimento
idem.
Até
no caso das franquias mencionadas acima, este resultado ocorre, e
antes da expectativa, “Poder
Sem Limites” vinha
acompanhado de desconfiança.
Ainda
assim, atendo-se ao filme, é importante dizer que se trata de uma
historia de origem, um dos maiores tabus do cinema de HQs, ponto no
qual tantos fracassaram.
No
trabalho de Josh Trank,
aliás, o período de desenvolvimento de personagens, motivações,
aquisição de habilidades especiais, e todo o contexto exigido para
que seja funcional enquanto obra de entretenimento com o mínimo para
ser apreciada pelo público, será construído com o auxílio da tal
câmera ligada o tempo todo com o registro dos eventos sob
responsabilidade de algum personagem.
O
retrato dessa juventude que protagoniza o filme é construída de
modo divergente da aura sombria de Batman,
ou da quadrinhesca abordagem do
Homem-Aranha de Sam
Raimi.
De
todo modo, a historia ainda parte da sensação de inadequação de
um dos personagens, e explora muito bem as consequências dos novos
super-poderes na vida de pessoas comuns, tendo um viés que em uma
leitura simplista o deixaria muito mais próximo do Kick-Ass (2010)
do que da caricatura do herói esperando ser abençoado com a força
para fazer a diferença no combate ao crime.
O
resultado é interessante, e é realmente inesperado, apesar de
realista, que o super-poder não venha somado a um trauma, ou outro
aspecto de obrigatoriedade que exija sacrificar noites em claro com
uma roupa colante enfrentando criminosos.
E
se o poder viesse sozinho? Sem responsabilidades?
A
maior parte do filme, aliás, não é a respeito do paralelo entre o
herói e o vilão, e a maneira que a tragédia irá encontrar de
fazer parte da vida do futuro herói.
Não
há necessariamente um propósito de salvar ninguém.
Ser
super-qualquer coisa é semelhante a ganhar uma bicicleta nova e ver
quem faz mais manobras ou consegue somar mais atitudes imbecis.
Nesse
ponto o slogan do longa-metragem parece mesmo impecável, quando
ressaltava o fato de que esperar qualquer ato nobre de um adolescente
recém elevado ao nível de super-ser não é nada além de
ingenuidade inerente a quem leu quadrinhos de heróis em sua forma
tradicional, voltada a criar um novo super-vigilante sempre que
ocorre um acidente envolvendo resíduos tóxicos, ou explosão em
laboratório, etc.
Graças
a isso, porém, várias sequências levam o longa-metragem a
aparentemente empregar demais das características dos convencionais
filmes sobre jovens estudantes estadunidenses, com suas buscas por
popularidade, níveis hierárquicos colegiais, etc.
Mas
depois de um tempo fica evidente que tais fatores serão de grande
importância no trabalho do cineasta, que utiliza as incertezas de
Matt (Alex Russell),
Andrew (ótima
atuação de Dane DeHaan)
e Steve (Michael B. Jordan)
para que a expectativa se
afaste de um típico arrasa-quarteirão em que a primeira hora de
diálogos é apenas enrolação para assistir os gastos com CG sendo
justificados.
É
fato que a ação estará presente, com os corretos efeitos
especiais à disposição, e o estilo do diretor trazendo uma imersão
maior no que o enredo preparou para que o desfecho pudesse oferecer,
em se tratando de pirotecnia. Mesmo assim, é sempre um equívoco
esperar de “Poder Sem
Limites” uma típica
historia de heróis, ou similaridades demais com os quadrinhos
super-heroicos em seu padrão mais comum.
O
mais adequado seria buscar na narrativa sequencial das páginas
impressas do outro lado do mundo um parâmetro para comparação,
afinal, o filme não poderia ser mais parecido com nada além da
clássica adaptação de HQs para o cinema que atende pelo nome
Akira (1988).
Tendo
em conta as devidas proporções, é fácil perceber o que o cult
longa-metragem de animação do quadrinhista e cineasta Katsuhiro
Otomo tem em comum com o
roteiro que Josh Trank vai
contar em sua obra, sendo que ambas compartilham elementos
coincidentes, o que no caso de Poder
Sem Limites não é
demérito nenhum, afinal, maquiado pelo bom trabalho do diretor,
resulta em algo que se não é absolutamente inovador, ao menos
demonstra que ele buscou as referências certas para elaborar algo
possuidor do “algo mais” que falta à maioria das produções do
subgênero “filmagens encontradas”.
Falando
em inovação, é de se destacar no filme a inclusão de novos pontos
de vista, algo que sempre foi um fator limitador para quem tentava
simular as filmagens acidentais de hora e tanto.
Os
heróis, vilões, e super-caras não são os mesmos há tempos, seja
no cinema, nos quadrinhos, ou qualquer mídia na qual possa ser
conferida uma de suas historias.
Através
da vida banal de seu trio de protagonistas um olhar diferenciado é
lançado por Josh Trank
ao que parece tão simples definir como “filme de heróis”, e
traz assim um resultado que prima pelo desenvolvimento dos
personagens, demonstrando com talento que a caricatura frequentemente
vista inclusive nos melhores trabalhos versando a respeito
desconsidera na maioria das vezes a possibilidade de representar a
geração de leitores e espectadores nas tramas que serão criadas.
Apesar
do cinema blockbuster do qual faz parte, Poder Sem Limites surpreende
por não se prender às amarras, e ainda que possa parecer um tanto
inesperado o comportamento de quem se esperaria logo fosse decidir
lutar pela honra e justiça, basta observar com atenção para
perceber que isso, antes de gratuitas sequências de inconsequência
juvenil, é um pouco de realismo a um tipo de cinema que mesmo quando
se diz “realista”, é apenas para tentar convencer o público a
achar coerente a imbecilidade de curas milagrosas com um soco nas
costas.
O
incidente que muda a vida dos protagonistas em “Poder
Sem Limites” é o que os
direciona para o rito de passagem, e a questão da existência de
super-poderes é só mais um elemento, afinal, a crônica de Josh
Trank não era sobre
heróis, e é essa a sua maior qualidade.
Quanto
vale:
Poder
Sem Limites
(Chronicle)
Direção:
Josh Trank
Duração:
84 minutos
Ano
de produção: 2012
Gênero:
Ação / Aventura