Difícil adaptação para o cinema.
Semelhante a "Watchmen", eu considerava “The Spirit” uma das obras impossíveis de migrar para a telona com a devida dignidade.
Por motivos diferentes, é claro.
“The Spirit” é uma série em quadrinhos criada pelo gênio Will Eisner, que ficou conhecido por subverter a linguagem tradicional das HQs, deixando as histórias em quadrinhos muitas vezes sem nem ao menos quadrinhos.
Sendo assim, a escolha do diretor era um fator decisivo.
Ao escolher um quase estreante na função, o estúdio queria mesmo se incomodar.
Frank Miller, autor com uma carreira de sucesso nas HQs, e fã confesso da obra de Eisner, ficou com a tarefa de realizar a segunda versão live-action do alter-ego de Denny Colt (a primeira foi em um telefilme de 1987, mas isso é outra história).
Miller, por ser fã, convocou o melhor elenco que conseguiu, e fez uso de tudo que assimilou da estética das últimas adaptações cinematográficas de obras suas. A influência da estilização de Sin City e 300 estão presentes, especialmente no caso do primeiro.
A estética funciona? Em parte.
O início do filme é excelente, com visual vibrante e o diálogo em off que é característica dos roteiros de Frank Miller.
Volta e meia o diretor utiliza alguma piada ou recurso tipicamente cartunesco e reforça o discurso de homenagem a Eisner.
À medida em que desenrola o filme, alguns desses momentos são especialmente legais, enquanto em outros fica evidente que um diretor mais experiente teria conseguido amarrar corretamente as idéias visando um produto final coeso.
Referências a Sin City, Batman, Elektra, mais Sin City, e a outros trabalhos de Miller estão sempre em cena. E ele nem tenta disfarçar isso.
E assim, quando pela enésima vez um personagem mergulha, em alguma sequência chatíssima, o próprio diretor diz: “É. Essa ideia eu imitei do que Robert Rodriguez filmou em Sin City”.
Além disso, a coerência do enredo fica prejudicada pelo excesso de informação e formas de linguagem narrativa empregadas. Se em um momento a carga dramática está sendo delineada, em outro tudo parece um desenho animado antigo. Porém, não é que inexista certa qualidade quando cada uma seja feita. Algumas piadas são realmente eficazes, mas a transição é abrupta demais, e exige mais do que boa vontade do público.
E isso sem mencionar que tamanha atenção ao visual não foi destinada à direção do elenco, o qual conta a insólita e muitas vezes ridícula história quase sem supervisão do diretor. As atuações estão no modo automático, e apesar de para Samuel L. Jackson isso ser simples (afinal, é só interpretar ele mesmo novamente), isso não funciona com os demais.
Deixa os atores (especialmente os vilões) repetindo suas falas desconexas andando de um lado para outro, sem nem ao menos se dar ao trabalho de mudar o posicionamento da câmera para fingir que se trata de um plano mirabolante minimamente interessante o que eles estão tramando.
Ninguém pode culpar o diretor, afinal, ele simplesmente aproveitou a oportunidade de trabalhar em um projeto de um ídolo seu, e utilizou todo o conhecimento sobre cinema que possuía, o que lamentavelmente era muito pouco.
Provavelmente o filme foi apenas precipitado, desde a escolha do responsável pela direção. E agora, com a revolução do 3D, enfim creio que haja recursos para uma versão live-action que faça jus ao desapego de Eisner pelas limitações da mídia em que suas histórias eram veiculadas.
Frank Miller não fazia ideia que o 3D surgiria com tal impacto de repente, e quis fazer algo que demonstrasse o seu apreço pelo que “The Spirit” e seu autor representam para ele, mas esqueceu de um aspecto essencial do que Eisner realizou.
Diferente do que foi realizado em “The Spirit”, o filme, as HQs do mestre da narrativa sempre buscavam transgredir as regras e se distanciar de tudo que já havia sido feito, criando algo único e particular do seu modo de ver as coisas.
“The Spirit”, o longa-metragem, é só mais um filme qualquer, pensado para ter meramente um visual legal, e nascido para cair no esquecimento por reprisar o que outros diretores já filmaram antes.
Eu poderia dizer que o filme vale meio ingresso pra que seja feita uma análise das suas qualidades e defeitos, e pra discutir onde o diretor errou, com uma tolerância maior aos seus deslizes.
Mas considerando que nem todo mundo vai ao cinema pra aguentar hora e meia de uma ou outra ideia legal alternada com um monte de cenas ruins, tenho que deixar a nota do filme que ninguém queria de algo adaptado de Will Eisner.
Quanto vale: NEM meio ingresso.
The Spirit
(The Spirit)
Diretor: Frank Miller
Duração: 103 minutos
Ano de Produção: 2008
Gênero: Ação
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