Em se tratando de esportes retratados no cinema, provavelmente nenhum outro conseguiu tanto destaque em suas incursões nas telonas do que o boxe.
Desde os clássicos “Touro Indomável” (1980), genial obra de Martin Scorcese, “Rocky: Um Lutador” (1976), o melhor trabalho de Sylvester Stalone que lhe rendeu o Oscar, até o relativamente recente “Menina de Ouro” (2004), de Clint Eastwood, que também recebeu o prêmio da Academia.
Tanta exposição do tema sempre tem efeitos negativos, e o pior deles é o surgimento de obras desnecessárias e redundantes, que não chegam a criar alarde nem mesmo pela sua baixa qualidade.
Para trazer alguma integridade ao projeto, ajuda quando trata-se de uma obra biográfica, afinal, todo o drama já está presente na história, e cabe ao diretor ser capaz de manter ao menos isso, ou quem sabe potencializar esse aspecto.
Falando em drama biográfico, a trajetória dos irmãos Mickie Ward e Dick Ecklund é uma excelente escolha.
O ator Mark Wahlberg, declaradamente fã da história de vida desses dois irmãos, fez o que pôde para viabilizar o interesse de algum estúdio no desenvolvimento dessa cinebiografia, e sua insistência foi recompensada com a participação de um diretor competente e um elenco idem.
O enredo do longa-metragem dirigido por David O. Russell transita basicamente em torno de Ward e Ecklund, sem ficar restrito ao que ocorre no ringue. As lutas ficam em terceiro plano, deixando espaço para o relacionamento familiar que é o pilar emocional do filme.
Construído para ter um aspecto de quase documentário, possui uma inesperada fluidez para um drama focado totalmente em diálogos simples e em personagens comuns.
Acompanhar a problemática família do protagonista é permanecer as duas horas de metragem habitando em seu bairro, vendo a rotina da mãe (brilhantemente interpretada por Melissa Leo) e das irmãs, que permanecem inertes torcendo que o promissor boxeador obtenha êxito, ao mesmo tempo em que o próprio tenta simplesmente algum sucesso de qualquer modo que seja, mesmo que não tão glamouroso quanto o passado de glórias repetido incessantemente pelo seu irmão, famoso por ter derrubado em uma luta Sugar Ray Leonard, em 1978.
E o personagem do irmão mais velho, interpretado por Christian Bale (merecedor de um Oscar), consegue uma façanha a princípio inimaginável, ou seja, conseguir se destacar de maneira visceral em meio a um elenco tão entrosado e consistente. Certamente que Mark Wahlberg está razoavelmente adequado no seu papel, porém sem o destaque esperado, até porque Christian Bale quase não lhe deixa espaço para ser notado.
Fica impossível enxergar o ator, quando ele está absolutamente irreconhecível em mais um trabalho extraordinário, muito mais marcante por exemplo, do que o Bruce Wayne suficientemente convincente que ele desempenha na nova franquia Batman.
Em “O Vencedor” ele extrapola o limite entre a atuação e a realidade. E é de seu personagem, ex-pugilista reconhecido outrora por sua perícia técnica, chamado inclusive de "Orgulho de Lowell" (bairro que ambienta a trama), e atualmente um decadente viciado em crack, de quem surgem alguns dos momentos mais importantes do longa-metragem.
Mas eu digo isso sem deixar de conferir o devido mérito ao núcleo familiar interagindo com o personagem de Wahlberg, o qual não deixa em momento algum de nos levar a crer que sejam menos do que uma família legítima, com laços de sangue e proximidade que geram mais atrito do que afeto, e em que é preciso enxergar que, para superar desavenças é necessário aceitar sacrifícios, e entender que em se tratando da vida real não existe um final feliz, perfeito do modo como é mostrado nos dramalhões e comédias românticas do cinema em Hollywood.
Russell guia seu elenco tentando ultrapassar a superfície do relacionamento entre os personagens, arrancando deles um desempenho irrepreensível e extremamente emocional, mesmo para quem não era ator, exemplo do sargento e também treinador Mickey O´Keefe, que atua interpretando a ele mesmo.
E com segurança o cineasta permite que a história em si seja contada quase naturalmente, após a aceitação por parte dos atores de quem estão representando, ou melhor, de quem eles se tornam enquanto estão no set de filmagem.
“O Vencedor”, é assim um reflexo da absoluta entrega e dedicação do diretor David O. Russell e de todos os envolvidos em retratar a vida repleta de tragédia e pequenas conquistas de Mickie Ward e daqueles que o cercam.
Ao fim da sessão, o conturbado ambiente familiar apresentado não chega a mudar, nem as pessoas que o habitam, mas há o que aprender durante o processo, e é isso o que permite um olhar menos pessimista a respeito do futuro.
Quanto vale: um ingresso e meio.
O Vencedor
(The Fighter)
Direção: David O. Russell
Duração: 115 minutos
Ano de produção: 2010
Gênero: Drama
2 comentários:
Essa produção também é outra que vem recebendo críticas positivas. Gostei da resenha. Parabéns!!!
Poutz, ainda não assisti. Mas estpou aguiardando oportunidade. Valeu pela análise, muito boa!!
Abração fella,
Guiga Hollweg
Postar um comentário