Os irmão Joel e Ethan Coen não costumam iniciar um novo projeto simplesmente para enriquecer mais uns milhões de dólares. Cada novo trabalho sempre vem cheio de expectativa e potencial para trazer mais umas estatuetas para a estante dos caras.
Ainda que nem todos os seus filmes tenham causado tanto estardalhaço (“Matadores de Velhinha”, 2004; “Queime Depois de Ler”, 2008), quando eles acertam, realizam exemplares de genialidade invejável (“Barton Fink”, 1991; “Fargo”, 1996; Um Homem Sério, 2009, etc).
Ao anunciar o remake de “Bravura Indômita” (1969), que rendeu o Oscar de melhor ator a John Wayne, eles preparavam um retorno ao Western, gênero que haviam renovado com o oscarizado “Onde Os Fracos Não Têm Vez” (2007).
A expectativa em torno do novo filme, então, veio como consequência da filmografia deles, sabendo que mesmo nos filmes que não foram assim tão elogiados havia sempre o estilo único dos Coen com suas ideias e modo de filmar.
Em “Bravura Indômita” (2010), essas ideias convergem para algo que mais se aproxima de “Onde Os Fracos Não Têm Vez”. E isso não meramente por ser um faroeste, mas sim pelo que está nas entrelinhas.
Ao contar o trajeto de Mattie Ross (Hailee Steinfeld) e seu caçador de recompensas, o federal "Rooster" Cogburn (Jeff Bridges) no rastro do assassino do pai da guria, os diretores têm obviamente muito mais a dizer do que os resultados da clássica história de vingança.
Dessa vez, o desenrolar dos fatos não é o que há de mais interessante. O roteiro é de um faroeste tradicional, à moda antiga, extremamente bem realizado e absolutamente coeso.
E mesmo que não se trate de um enredo surpreendente, os cineastas conseguem evitar a pieguice que o drama permitiria, mantendo sempre a integridade da obra, fazendo uso das características que são facilmente encontradas em seus outros trabalhos cinematográficos, sejam a violência crua, a crítica sutil a respeito da estupidez e da própria ruindade humana, ou na captura de imagens e sequências de uma beleza magistral.
Porém, a verdadeira força de “Bravura Indômita” está mais no que se refere aos personagens.
Desde que aparece em cena pela primeira vez, a estreante Hailee Steinfeld demonstra toda a competência que, não podendo ser atribuída à sua experiência, valoriza ainda mais a direção de atores dos Coen, além do próprio talento da atriz, que não sem motivo recebeu sua indicação ao Oscar. A tarefa dela era realmente difícil, diga-se de passagem, afinal, teria que contracenar com um dos melhores atores da atualidade.
Falando nisso, impressiona novamente a facilidade de Jeff Bridges para compor mais uma atuação impecável, transformando o que poderia ser caricato se interpretado por outro ator, em algo convincente e marcante.
Ao forçar a convivência entre a jovem que objetiva levar a punição ao assassino de seu pai, e o velho alcoólatra que aceitou essa missão, os Coen trazem à tona mais uma vez o choque entre duas gerações, lembrando “There’s Country To Old Man”, só que de um modo bem mais otimista.
Através do olhar da vingativa Mattie Ross é que isso é constatado, afinal, foi ela que insistentemente envolveu o decadente "Rooster" Cogburn, e vai aprender relutantemente a verdade irrefutável que os diretores se propõem a apresentar.
Nem mesmo o excesso de maturidade dela a deixou preparada para o mundo menos civilizado que habita em meio à civilização, ou para aceitar o que Cogburn preferia encher a cara para ignorar.
Cogburn assiste com repulsa a sociedade mudar, e sente que seu tempo já deixou de existir, mesmo que sendo o velho teimoso que é, prefira permanecer fiel ao único modo de conduta que conhece.
Nos coadjuvantes isto torna-se evidente.
Seja o ranger LaBoeuf interpretado por Matt Damon, bem mais interessado em se envaidecer pelos seus feitos questionavelmente gloriosos, ou nos criminosos que compõem o bando do assassino do pai de Mattie.
Quanto ao personagem de Matt Damon, a leitura é mais simples, no entanto, ao defrontar o bando de fugitivos o contexto parece mais interessante.
Eles, que já conheciam Cogburn, representam não ser tão diferentes do que ele próprio poderia estar se tornando. Foras-da-lei, que incapazes de aceitar as regras da sociedade vivem à margem dela.
Ainda que defenda a lei, Cogburn sabe que não estará livre disso. É o único caminho para quem escolhe não se adequar à mudança que ocorre gradual e inevitavelmente, e ele reage a isso de maneira instintiva, enquanto a jovem é obrigada a enxergar que é isso o que o futuro reserva para pessoas que nem ela.
Ao refilmar “True Grit”, os Irmãos Coen não necessariamente reinventaram o faroeste ou se conformaram em simplesmente homenagear os seus clássicos.
O discurso que faz parte de “Onde Os Fracos Não Têm Vez” e que surge novamente com outros desdobramentos em “Bravura Indômita” é uma reafirmação de uma escolha que os próprios cineastas fizeram.
Ainda que o público tenha mudado, e que em grande maioria já não se interesse pelo tipo de cinema que eles brilhantemente sabem filmar, permanece sendo isso o que sua filmografia busca a cada nova obra.
Ainda bem.
Quanto vale: Um ingresso e meio.
Bravura Indômita
(True Grit)
Direção: Joel e Ethan Coen
Duração: 110 minutos
Ano de produção: 2010
Gênero: Faroeste / Drama
6 comentários:
Já vi muitas pessoas afirmarem que esse é um dos raros casos de remake que ficou melhor que original.
Muito massa.
Não vi, mas gostei da crítica.
Espero que seja mesmo um filmaço.
Valeu a análise.
Guiga Hollweg
É com certeza um baita filme, apesar de o Academy Awards não demonstrar isso em sua premiação.
De qualquer modo, é um dos melhores filmes de 2010.
Olá Marcelo, muito bom eese blog.Parabéns!
Valeu, Josú.
E valeu pelos comentários, pessoal!
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