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sábado, 3 de novembro de 2012

PODER SEM LIMITES (2012)


Com o passar do tempo, algo ocorre com ideias potencialmente interessantes, especialmente se a replicação da aplicação delas for relativamente simples.
Surgem convenções, aspectos que são característicos, e logo a fórmula torna-se perceptível ao público, de modo que a novidade fica pra trás.

Os filmes de herois estão à beira disso, ainda que alguns consigam desviar desse caminho, sejam o “X-Men: Primeira Classe” (2011) de Matthew Vaughn, “O Cavaleiro das Trevas” de Christopher Nolan, ou “Os Vingadores” (2012) de Joss Whedon.
Mas esse "Poder Sem Limites" vai além da necessidade de realizar um filme de herois interessante, afinal, aqui existe a fusão com outra onda de Hollywood: os filmes com estética homemade.

Neste segmento, as produções rapidamente favoreceram o enfraquecimento da fórmula, ao não adicionar quase nada que a mantivesse interessante em meio ao cenário cinematográfico atual.
Missão do diretor estreante Josh Trank?
Mostrar que o encontro entre essas duas tendências poderia trazer algo que valesse assistir, assim vencendo a concorrência nas bilheterias.


Fora o caso de franquias estabelecidas, seja o estilo fantasmagórico da trama de “Atividade Paranormal”, ou a zumbificação peculiar em “Rec”, a maioria resultou em efeito imediato (ou nem isso), e esquecimento idem.
Até no caso das franquias mencionadas acima, este resultado ocorre, e antes da expectativa, “Poder Sem Limites” vinha acompanhado de desconfiança.

Ainda assim, atendo-se ao filme, é importante dizer que se trata de uma historia de origem, um dos maiores tabus do cinema de HQs, ponto no qual tantos fracassaram.
No trabalho de Josh Trank, aliás, o período de desenvolvimento de personagens, motivações, aquisição de habilidades especiais, e todo o contexto exigido para que seja funcional enquanto obra de entretenimento com o mínimo para ser apreciada pelo público, será construído com o auxílio da tal câmera ligada o tempo todo com o registro dos eventos sob responsabilidade de algum personagem.
O retrato dessa juventude que protagoniza o filme é construída de modo divergente da aura sombria de Batman, ou da quadrinhesca abordagem do Homem-Aranha de Sam Raimi.

De todo modo, a historia ainda parte da sensação de inadequação de um dos personagens, e explora muito bem as consequências dos novos super-poderes na vida de pessoas comuns, tendo um viés que em uma leitura simplista o deixaria muito mais próximo do Kick-Ass (2010) do que da caricatura do herói esperando ser abençoado com a força para fazer a diferença no combate ao crime.
O resultado é interessante, e é realmente inesperado, apesar de realista, que o super-poder não venha somado a um trauma, ou outro aspecto de obrigatoriedade que exija sacrificar noites em claro com uma roupa colante enfrentando criminosos.
E se o poder viesse sozinho? Sem responsabilidades?


A maior parte do filme, aliás, não é a respeito do paralelo entre o herói e o vilão, e a maneira que a tragédia irá encontrar de fazer parte da vida do futuro herói.
Não há necessariamente um propósito de salvar ninguém.
Ser super-qualquer coisa é semelhante a ganhar uma bicicleta nova e ver quem faz mais manobras ou consegue somar mais atitudes imbecis.
Nesse ponto o slogan do longa-metragem parece mesmo impecável, quando ressaltava o fato de que esperar qualquer ato nobre de um adolescente recém elevado ao nível de super-ser não é nada além de ingenuidade inerente a quem leu quadrinhos de heróis em sua forma tradicional, voltada a criar um novo super-vigilante sempre que ocorre um acidente envolvendo resíduos tóxicos, ou explosão em laboratório, etc.


Graças a isso, porém, várias sequências levam o longa-metragem a aparentemente empregar demais das características dos convencionais filmes sobre jovens estudantes estadunidenses, com suas buscas por popularidade, níveis hierárquicos colegiais, etc.
Mas depois de um tempo fica evidente que tais fatores serão de grande importância no trabalho do cineasta, que utiliza as incertezas de Matt (Alex Russell), Andrew (ótima atuação de Dane DeHaan) e Steve (Michael B. Jordan) para que a expectativa se afaste de um típico arrasa-quarteirão em que a primeira hora de diálogos é apenas enrolação para assistir os gastos com CG sendo justificados.
É fato que a ação estará presente, com os corretos efeitos especiais à disposição, e o estilo do diretor trazendo uma imersão maior no que o enredo preparou para que o desfecho pudesse oferecer, em se tratando de pirotecnia. Mesmo assim, é sempre um equívoco esperar de “Poder Sem Limites” uma típica historia de heróis, ou similaridades demais com os quadrinhos super-heroicos em seu padrão mais comum.

O mais adequado seria buscar na narrativa sequencial das páginas impressas do outro lado do mundo um parâmetro para comparação, afinal, o filme não poderia ser mais parecido com nada além da clássica adaptação de HQs para o cinema que atende pelo nome Akira (1988).
Tendo em conta as devidas proporções, é fácil perceber o que o cult longa-metragem de animação do quadrinhista e cineasta Katsuhiro Otomo tem em comum com o roteiro que Josh Trank vai contar em sua obra, sendo que ambas compartilham elementos coincidentes, o que no caso de Poder Sem Limites não é demérito nenhum, afinal, maquiado pelo bom trabalho do diretor, resulta em algo que se não é absolutamente inovador, ao menos demonstra que ele buscou as referências certas para elaborar algo possuidor do “algo mais” que falta à maioria das produções do subgênero “filmagens encontradas”.
Falando em inovação, é de se destacar no filme a inclusão de novos pontos de vista, algo que sempre foi um fator limitador para quem tentava simular as filmagens acidentais de hora e tanto.


Os heróis, vilões, e super-caras não são os mesmos há tempos, seja no cinema, nos quadrinhos, ou qualquer mídia na qual possa ser conferida uma de suas historias.
Através da vida banal de seu trio de protagonistas um olhar diferenciado é lançado por Josh Trank ao que parece tão simples definir como “filme de heróis”, e traz assim um resultado que prima pelo desenvolvimento dos personagens, demonstrando com talento que a caricatura frequentemente vista inclusive nos melhores trabalhos versando a respeito desconsidera na maioria das vezes a possibilidade de representar a geração de leitores e espectadores nas tramas que serão criadas.
Apesar do cinema blockbuster do qual faz parte, Poder Sem Limites surpreende por não se prender às amarras, e ainda que possa parecer um tanto inesperado o comportamento de quem se esperaria logo fosse decidir lutar pela honra e justiça, basta observar com atenção para perceber que isso, antes de gratuitas sequências de inconsequência juvenil, é um pouco de realismo a um tipo de cinema que mesmo quando se diz “realista”, é apenas para tentar convencer o público a achar coerente a imbecilidade de curas milagrosas com um soco nas costas.
O incidente que muda a vida dos protagonistas em “Poder Sem Limites” é o que os direciona para o rito de passagem, e a questão da existência de super-poderes é só mais um elemento, afinal, a crônica de Josh Trank não era sobre heróis, e é essa a sua maior qualidade.


Quanto vale: 



Poder Sem Limites
(Chronicle)
Direção: Josh Trank
Duração: 84 minutos
Ano de produção: 2012
Gênero: Ação / Aventura

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