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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

AS AVENTURAS DE TINTIM (2012)


Pra quem somava tantos altos e baixos, e que não conseguia nem de longe reprisar seus momentos de destaque nos antigamentes, Steven Spielberg necessitava urgentemente aproveitar alguma oportunidade em sua plenitude.
Aliar seus esforços a Peter Jackson, que após a franquia Senhor dos Anéis também não havia encontrado algum novo estrondoso sucesso, era uma ideia interessante e que prometia uma reviravolta nesse quadro incômodo para ambos os cineastas.

A clássica Historia em Quadrinhos criada pelo belga Hergé estava na mira dos dois fazia algum tempo, até que foi oficializado este longa-metragem que seria a primeira de duas partes no cinema, revezando os estilos de direção de ambos os cineastas.
No primeiro filme, era a vez de Spielberg ficar no comando, dirigindo enquanto Peter Jackson ficava na produção executiva.
A técnica escolhida, a captura de movimento, um dos recursos cinematográficos mais exaltados ultimamente, nem assim deixou de gerar controvérsia.
Por que não filmar um live-action, investindo em maquiagem estilosa convertendo os atores nas criações que surgiram nas histórias em quadrinhos, depois fazendo sucesso também nos desenhos animados, assim talvez buscando inspiração no que foi uma das maiores qualidades do
“DickTracy” (1990) dirigido por Warren Beatty?
Spielberg responderia a pergunta da única forma que funciona, e que poderia ser conferida assistindo o filme.

Enquanto a sessão começa, o protagonista é propositalmente “escondido” perante o espectador.
Tintin demora minutos aparentemente intermináveis para ter seu rosto enfim apresentado à plateia, mas quando isso acontece, ninguém tem dúvida de que aquela será uma representação ao menos visualmente digna e fiel do jornalista de topete ruivo.
O jornalista intrépido visto nos quadrinhos encontra na atuação de Jamie Bell (eternamente vinculado ao papel de “Billy Elliot”) algo que o faz ser convincente mesmo com as camadas de ilusão que o filme possui, sendo uma releitura digital, de uma interpretação live-action, de duas historias em quadrinhos do personagem: "O Caranguejo das Tenazes de Ouro" e "O Segredo do Licorne".
Quanto a Spielberg, sua obrigação era manter o interesse inicial de homenagear a HQ de Hergé sempre em segundo plano.
Afinal, ainda que seja compreensível o propósito de um fã, exagerar nesse ponto poderia facilmente resultar em um “Superman Returns” (2006), e não exatamente em um sucesso comercial garantindo o prosseguimento da franquia.


Assim sendo, a trama opta sabiamente em ser movimentada do início ao fim, ainda que sem perder a sintonia com o universo do personagem nas páginas quadrinhísticas.
Mesmo a investigação iniciada com a aquisição da réplica do navio Licorne prossegue sempre frenética, em meio a vilões, perseguições, capangas, tiradas cômicas e novas respostas sendo somadas para levar Tintim sempre em busca de futuras pistas.
O estilo Indiana Jones que faltou a “Indiana Jones, e O Reino da Caveira de Cristal” (2008) é aqui mimetizado beirando a perfeição.

A fórmula de entretenimento do diretor parece enfim ter sido reencontrada, e na despretensão da trama reside o seu ponto forte, ao desenvolver elementos que aparentemente serão fator inofensivo, de modo que ao assistí-los a surpresa não se faça necessariamente pelo que resultará em seu desfecho, e sim pelos vários momentos que irão compor minutos que passarão voando em ação ininterrupta.


Interessante nisso é que, falando assim, As Aventuras de Tintim poderia soar um tanto Michael Bayano, mas a diferença está no enfoque, o qual nesse salutar Sessão da Tarde ganha mais pelo desenvolvimento e interação dos personagens em contextos absurdos do que pelos efeitos especiais e pirotecnia por eles propiciada.
Não fosse tão carismática a maneira com que Tintin, em sua curiosidade quase obsessiva, e o Capitão Haddock (dono de várias das melhores cenas do filme) constroem a camaradagem que irá nortear o futuro de aventureiros que os aguarda, o longa-metragem seria mais um de correrias intermináveis e barulhada propícia pra dormir com fone de ouvido acordando pra ver a reviravolta no final.

E mesmo que a polêmica relacionada ao uso do captura de movimento possa ter se prolongado mesmo após o fim da sessão, isso não desfaz a competência com que a técnica foi empregada, resultante em um visual impecável, que além de tudo funciona trazendo um meio termo entre as cores das HQs, e o que poderia ser encontrado se o filme fosse uma adaptação convencional em live-action.
Além de que, a estilização do visual serve à maior fidelidade com os quadrinhos, não apenas na aparência dos personagens, mas também no diálogo com a origem na mídia impressa e também com a série de desenhos animados.
Claro que a inventividade de Spielberg encontraria formas de utilizar as liberdades do recurso à sua disposição nas sequências de ação, e não são poucas as vezes em que o cineasta acerta completamente em perseguições sensacionais, que ligam cada nova descoberta do protagonista ao próximo anti-clímax para algum plano-sequência eletrizante.


Assim, felizmente, o filme consegue intensidade mesmo nas cenas de ação de final conhecido, tendo nas ideias um fator primordial para a imersão nessa produção aventuresca misturando realismo e estilização.
E além de tudo isso, é imprescindível que eu destine o devido parabéns a Andy Serkis por mais um trabalho irrepreensível que demonstra o seu domínio de interpretação que faz com que cada novo personagem que conte com sua interpretação para a posterior transformação digital seja sempre algo novo e rico em detalhes, seja o King Kong (2005), o Gollum da franquia Senhor dos Anéis, ou César em Planeta dos Macacos: A Origem (2011).
Some-se a isso a presença de coadjuvantes com atuação de Daniel Craig, e a dupla sempre entrosada Simon Pegg e Nick Frost que aproveitam bem seus minutos em cena, para ter uma obra cheia de motivos para ser assistida.


Sem a promessa de revolucionar isso ou aquilo, ou a exigência de abocanhar prêmios no Academy Awards (ainda que o Globo de Ouro de melhor animação não tenha lhe escapado), e alheio à briga entre abordagens diferentes tão corriqueira em se tratando de cinema de HQs, Steven Spielberg realizou um filme de fã, com o esmero técnico inerente à sua filmografia.
E se em outras tentativas sua identidade autoral repleta de imaginação acabou apagada pela megalomania e pretensão, desta vez a qualidade de seu trabalho parece estar presente exatamente no entendimento de o que seu próprio estilo de cinema deveria ser ao contar o início da vertiginosa jornada de Tintim, demonstrando que ele parece ao menos desta vez ter reencontrado a sintonia com o cinema-pipoca o qual ele ajudou a definir em décadas passadas, caracterizado pelo investimento de um ingresso em diversão simples mas não pouco elaborada, pra ser vista na maior tela possível, com o som mais alto possível.
Dessa forma, após o criativo embate final com o vilão, e o gancho para o segundo filme, o diretor não apenas deixa o caminho pronto para Peter Jackson, mas acima de tudo mantém o nível de dificuldade alto.
Um desafio pra Peter Jackson, e um privilégio para a plateia assistir.


Quanto vale: 



As Aventuras de Tintin
(The Adventures of Tintin)
Direção: Steven Spielberg
Duração: 107 minutos 
Ano de produção: 2011
Gênero: Aventura

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