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terça-feira, 7 de dezembro de 2010

GHOST IN THE SHELL 2: INNOCENCE (2004)


 

Enquanto o cinema estadunidense desenvolvia suas regras e normas de produção de superproduções que faturavam milhões nas bilheterias, o resto do mundo também definia seus rumos e estilos para o futuro da arte cinematográfica.

Distante do que Hollywood havia definido para ser o padrão que hoje vigora em 95% do que chega às salas de cinema no Brasil, cada país vinha utilizando uma variedade de elementos que viriam a concretizar a identidade autoral de seus filmes.
Pouco se lixando para convenções estipuladas para obter um blockbuster, o diretor japonês Mamoru Oshii já tinha em seu currículo o ótimo “Ghost In The Shell” (1995), e entregava em 2004 a sequência aguardadíssima desta adaptação de HQs.
E qualquer expectativa a respeito desta nova obra estava errada.


O megalomaníaco diretor estava obstinado em desenvolver todos os conceitos do primeiro longa-metragem a um extremo tão inimaginável que até mesmo resumir a história na sinopse seria algo impossível.
O futuro cyberpunk apresentado no roteiro chega a ser algo perturbador, afinal, representa o auge da obsessão humana por perfeição, o que leva à substituição do próprio corpo por peças e softwares, tornando qualquer um em computador pessoal que anda, trabalha e se relaciona com outros seres quase não-humanos.  
O que nos diferenciaria de máquinas (afinal até os cérebros utilizados são eletrônicos) seria algo chamado Ghost, o equivalente ao espírito, e esse ponto é presença fundamental nesta jornada que passeia pelos meandros da subconsciência.
Mas essa é apenas a ponta do iceberg.


Enquanto investigam uma insólita trama de assassinatos em série, os protagonistas, (os policiais Batou e Togusa) reviram a memória em um duelo para ver quem consegue mencionar mais citações de filósofos e pensadores, sempre em busca de respostas, e sempre complicando as coisas para o espectador.
E nesse ambiente em que até os humanos são seres fisicamente artificiais, tudo parece irreal, porém mantendo sua consistência ainda assim.
A fusão da trilha sonora magistral de Kenji Kawai, o balé visual quase inerte e absurdamente hiper-detalhado, além dos diálogos inspiradíssimos, resultam em um espetáculo hipnótico e transcendental. 


O visual ser perfeito é o mínimo que se espera de um filme de animação hoje em dia, mas até isso pode ser levado a outro patamar. Mamoru Oshii não se conforma em caprichar na técnica.
É preciso ir além, em uma demonstração de preciosismo que alia animação CG e convencional sem perder nunca a fluidez e ousadia na criação de cenários deslumbrantes e momentos de poesia alicerçada na parte estética e no contexto que se estabelece e se desconstrói a cada instante.
Cada segundo de metragem é investido para a consolidação de um mundo delirante, porém substancial.


Na elaborada trama sobra espaço inclusive para algumas cenas de ação que não decepcionarão os aficionados por tiroteios e explosões torácicas. Não que isso em algum ponto chegue a ser o foco da história.

Em determinado momento, quando nada mais parece ser realidade, talvez não seja mesmo.
Em “Ghost In The Shell 2” até mesmo à existência humana é dado o mesmo valor de um objeto qualquer, afinal, se o objetivo é a ilusão de uma falsa perfeição por meio da tecnologia, então porque não aceitar que desse modo nada nos distinguiria de peças de engrenagem, e que nosso propósito seria simplesmente agir mecanicamente até parar de funcionar um dia.
A perspectiva de Mamoru Oshii transforma os robôs nas vítimas subjugadas, semelhantes a escravos de nossa ambição, e questiona se uma sociedade tão degradada poderia sentir-se superior a qualquer outra forma de vida, mesmo aos seres artificiais criados pela humanidade para lhe servir.


 Dizer que “Ghost In The Shell 2: Innocence” é um novo “Blade Runner” peca não pelo exagero, mas sim por não reconhecer a força e genialidade da obra de arte surreal de Mamoru Oshii, que conseguiu não apenas uma das melhores adaptações de HQs de todos os tempos, mas também superar o seu original em uma demonstração de ousadia e estilo que transporta o espectador em uma das mais complexas jornadas pela mente humana já vistas no cinema.


Quanto vale: 2 ingressos.


Ghost In The Shell 2: Innocence
Direção: Mamoru Oshii
Duração: 100 minutos
Ano de produção: 2004
Gênero: Ficção científica / policial  


4 comentários:

Anônimo disse...

Eu já achava o primeiro Ghost in the shell algo fora do normal, essa sequência então é fantástica.

Marcel Ibaldo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcel Ibaldo disse...

Absolutamente superior ao filme original, Fernando.
Não é o tipo de obra que é exibido nas salas de cinema concorrendo com Harry Potter, mas que é indispensável pra quem curte bons filmes.
Do mesmo modo que vários clássicos tornaram-se ícones cinematográficos sem causar tamanho alarde nas bilheterias, este é um dos que tem que ter seu espaço na estante de DVDs de qualquer apreciador de cinema que se preze.

Vale a pena procurar esse e outros trabalhos da franquia Ghost In The Shell, pois todos mantém a alta qualidade tanto na parte técnica, quanto na construção do roteiro questionador.

Marcel Jacques disse...

É.