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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A ESTRADA (2010)



Sem sombra de dúvida, um dos segmentos da ficção científica que desde sempre me chamou atenção foi o das chamadas histórias pós-apocalípticas.
Não sem motivo que o mero vislumbre do cartaz do filme “A Estrada” pareceu algo interessante.
Baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy, vencedor do Prêmio Pullitzer, conta a história desse pai que trilha o caminho com seu filho em meio à desolação. Isso poderia ser uma trama meramente piegas ou um hardcore de ação, pois essas e outras possibilidades fazem parte do repertório que fica à disposição dos autores ao lidar com o pós fim do mundo.

É fato que o ator que estrela o longa-metragem já deixa uma pista da abordagem do roteiro.
Viggo Mortensen, que alcançou o status de astro de Hollywood graças ao papel desempenhado na trilogia “O Senhor dos Anéis” tem em sua filmografia exemplares de vários gêneros cinematográficos, sem se preocupar necessariamente com a manutenção do rótulo de estrela que lhe foi atribuído.
“A Estrada” não seria um filme comum, ao menos.


A sinopse não chega a inovar. É o que já foi imaginado antes, após alguma catástrofe ambiental, guerra, ou ambos, ou algo pior. Na verdade isso nem importa.
É isso o que expressa o diretor australiano John Hillcoat nas quase duas horas em que a câmera acompanha a dupla de peregrinos.
Hillcoat decide contar a história sempre na condição de observador, com a medida certa de crueza e pessimismo que o tema merece. Afinal, até onde é possível enxergar predomina o nada, a inexistência de vida que se torna quase uma presença.
A angustiante certeza da morte é a única verdade em que o protagonista se permite acreditar, e é de maneira chocante transmitida como uma lição básica ao próprio filho.
A caminhada para o sul ocorre em tensão crescente, e nem parece uma busca por segurança ou algum resquício de esperança, mas sim a resignação cadenciada que precede o inevitável e de certo modo aguardado momento do que poderia ser o fim da existência.
Porém esta seria uma maneira simplista de analisar o apanhado de significâncias exposto pelo filme.

Ao seu modo, cada objeto cênico ou personagem possui uma função no processo de aprendizado ao qual pai e filho são submetidos. Ou melhor, especialmente o filho.
O revólver que não deve ser abandonado nunca, a mãe interpretada por Charlize Theron, apenas presente nos flashbacks, o velho peregrino que perdeu o filho, a atitude diante do ladrão, o canibalismo, a morte.
Em certo momento o menino questiona ao pai se o mar é azul, ao que este responde: ”Não sei. Era”.
O diretor e o próprio contexto não disponibilizam a ele nenhum motivo para mentir. Criar uma ilusão para que o filho prossiga é inútil diante do horror que ele já presenciou.
A presença dos dois personagens é fator imprescindível para compreender a principal perda que o trajeto na estrada provoca.
E quando ambos encontram o personagem de Robert Duvall isto fica evidente. “Quem criou a humanidade não vai encontrá-la aqui”, diz ele.


Frequentemente em histórias pós-apocalipse há espaço para algum heroísmo, onde o protagonista é capaz da nobreza de lutar em prol dos demais abrindo mão de sua auto-preservação.
Hillcoat vê as coisas de um modo diferente.
Para ele, somente alguém muito ingênuo poderia pensar em altruísmo quando não se alimenta há dias, tendo que aceitar que na melhor das hipóteses sua vida se resumirá a sobreviver no limite do que seu corpo suporta até um dia ter que disparar uma bala no próprio cérebro.
A atuação de Mortensen, novamente um destaque na produção, ajuda a tornar crível o laço familiar na trama, ao mesmo tempo em que a bela trilha sonora composta por Warren Ellis e o cantor Nick Cave, e ainda os cenários magistrais complementam o lúgubre relato metafórico e cadenciado do que um pai ensina para o próprio filho ao custo de sua absoluta dedicação.


O drama pós-apocalíptico contado por Hillcoat é um pesadelo nublado e sujo em que há somente um caminho a seguir. Somente um trajeto.
Uma demonstração de que mais desesperador do que uma vida em constante perigo é o abandono da vontade de permanecer vivo.
E não se engane em pensar que essa história está restrita ao futuro.
“A Estrada” é um filme poderoso e atemporal.


Quanto vale: Um ingresso e meio.


A Estrada
(The Road)
Direção: John Hillcoat
Duração: 111 minutos
Ano de produção: 2009
Gênero: Drama




5 comentários:

Anônimo disse...

Gostei desse filme. Para mim é um dos melhores denro do segmento pós-apocalíptico.

Guilherme Hollweg disse...

Ahhhh droga!

Ia fazer postagem do The Road... hehehe

Mas tudo bem, em relação a análise, realmente, é um baita filme, e como Fernando disse, é um dos melhores do gênero pós-apocalíptico.

Muito massa, valeu pela postagem, e parabéns pela ótima análise!

Marcel Ibaldo disse...

É.
Esse filme tem aquele jeitão de western, que funciona bem sem o excesso de pirotecnia.
Só o drama bem contado, com atuações convincentes, e um bom roteiro, naquele cenário devastado, com certeza o garantem na condição de um bom filme.

Valeu pelos comentários.

Breno Yared disse...

Eu tõ doido para ver "A Estrada", Marcel. Um dos bons que perdi ano passado. E em tratando-se do Cormac McCarthy, possivelmente o livro é ainda melhor que o filme.

Abraço!

Marcel Ibaldo disse...

A crítica em geral acabou considerando o filme apenas mediano devido à comparação com o livro do McCarthy, o que eu considero inadequado, afinal, são obras diferentes em mídias diferentes, e o longa-metragem é uma adaptação do material literário.
De qualquer modo, acredito mesmo que o livro seja superior ao filme.
E ainda assim é um baita filme.