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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

DICK TRACY (1990)


Nem sempre fazer um filme de HQs foi tarefa fácil.
Os acostumados com a rotina de “quando será que vai estrear no cinema o movie dessa revista em quadrinhos”, certamente podem considerar difícil imaginar uma época em que a realidade era completamente outra.

Nos longínquos anos 90, os fás viviam uma era das trevas quanto a novas produções, que quando esporadicamente surgiam, costumavam ser aberrações do porte do Quarteto Fantástico de Roger Corman, ou a Geração X de Jack Sholder.
Nem é preciso dizer que o fracasso de público e crítica levava a uma generalização quanto aos novos projetos sugeridos das páginas em requadros, e muitos acabavam nem tendo chance de tentar a sorte nas telonas.
E se hoje em dia o cinema está frequentemente tomado por produções que não têm coragem de fugir das alternativas convencionais, naqueles tempos, qualquer um que pensasse em ser um pouco mais ousado na adaptação da HQ para o cinema, seria considerado inapto para a função de diretor em Hollywood.Mas Warren Beatty estava pouco se lixando para isso.

O ator já buscava a tempos a oportunidades de trabalhar no longa-metragem de um clássico dos quadrinhos do qual ele era fã.
Afinal, depois de tantas décadas de sucesso, o personagem Dick Tracy, criado pelo quadrinhista Chester Gould, em 1931, já havia obtido sucesso em tantas encarnações, fosse nas tiras de jornal em que surgiu (logo atingindo marcas imporessionantes de mais de 100 milhões de leitores), nas séries de filmes para matinês, nos longa-metragens, em produções em animação, e nas revistas em quadrinhos. Porém, com o passar do tempo a popularidade do policial de roupa amarela foi diminuindo, e as chances de que Warren Beatty pudesse realizar seu intento, apesar de ainda existentes, dependiam de muitos fatores que atrasavam o início do trabalho.

No entanto, com o falecimento de Chester Gould em 1985, o personagem que ele criou teve uma nova oportunidade na sétima arte, ainda que não sem percalços.
Porém, desentendimentos levaram à demissão do diretor contratado, Walter Hill, que planejava um filme mais violento, divergindo da ideia de Warren Beatty, que queria uma estilização aproximando-se das histórias nos quadrinhos, semelhante ao que Ang Lee tentaria tempos depois em Hulk (2003).
A solução encontrada foi o próprio Beatty assumir a direção, após associar-se à Walt Disney, para o longa-metragem que viria a ser lançado em 1990.
Foi só então que o público conheceu o que era o tal cinema cheio de estilização que Beatty mencionara.

Estrelada e dirigida por ele, a produção é repleta de prédios ricos multicoloridos, e vilões de carrancas muito similares às encontradas em suas contrapartes nas páginas, além os maneirismos típicos de uma época a qual Chester Gould havia retratado em suas tiras publicadas em jornais.
Compreender a importância desses elementos foi o grande trunfo do diretor ao revisitar o universo policial criado quase sessenta anos antes, afinal, estas características tiveram grande parcela de “culpa” pelo sucesso atingido na época do surgimento de Tracy, que destoava das demais publicações nos jornais em publicação, mais voltadas a aventuras distantes da realidade da vida na cidade, ou direcionadas ao humor. Dick Tracy era a velha fórmula policial, convivendo com os leitores na mesma década de 30, cheia de dificuldades, que o público enfrentava diariamente.
Na verdade, com a caracterização brilhante dos personagens o filme já teria motivos o suficiente para ser assistido, ainda que isso não fosse tudo o que ele tinha para oferecer.

Seria chover no molhado dizer que o elenco contar com Dustin Hoffmann e Al Pacino é sinal de possível ingresso bem investido, mas é simplesmente impossível não mencioná-los, quando é deles grande parte dos momentos mais divertidos e hilários do filme.
Principalmente a interpretação de Pacino, roubando a cena ao transformar o gângster Big Boy Caprice em um histérico e sensacional nêmesis para o herói.
Enquanto isso, Madonna encontra em Breathless Mahoney um papel que não exija dela mais do que frequentemente faz em seus clipes, ou seja, cantar, e fazer caras e poses que servem para catalisar a dificuldade de Tracy a se expressar verbalmente diante de mulheres.
O fato de o personagem Dick Tracy hoje para muitos não passar de um nome que “já ouviram falar” não diminui sua importância para a arte sequencial, e para o cinema, especialmente quando falamos em adaptações de quadrinhos.

A fórmula de estilização e fidelidade ao material original que Warren Beatty insistiu em utilizar no longa-metragem de 91 foram demais para a plateia da época, a qual não correspondeu nas bilheterias da forma que a Walt Disney esperava, porém, a crítica especializada percebeu e premiou o empenho do cineasta, que viu seu trabalho receber no Academy Awards os Oscars de melhor maquiagem, melhor direção de arte, e melhor canção original, interpretada por Madonna.
Além disso, o filme Dick Tracy de duas décadas atrás foi uma experimentação essencial para o futuro do cinema de HQs, hoje muito mais afeito a absorver a linguagem das histórias em quadrinhos da maneira concebida nas páginas, e contando com espectadores dispostos a enxergar o caráter artístico nas muitas vezes inusitadas transposições imaginadas pelos cineastas.

Warren Beatty havia encontrado a fórmula de entretenimento certeiro equilibrando humor e ação, com visual estiloso em uma trama esperta e bom elenco, em um longínquo 1990 quando Scott Pilgrim Contra O Mundo (2010) ainda nem sonhava em existir.
Qualquer um que assistiu Sin City (2005), 300 (2006), entre outros, e hoje aprecia a expectativa de que em breve haverá um blockbuster estrelado por Tin Tin, de Hergé, ou o prosseguimento das jornadas de Batman, e também o recomeço de Homem-Aranha, e anseia pelo filme-evento do Marvel Studios, “Os Vingadores”, não pode ignorar a importância da teimosia de Beatty em enxergar nas HQs mais do que roteiros a serem melhorados por produtores interesseiros para serem merecedores de alguma versão em live-action que nem os fãs gostariam que existisse.


Mesmo com o resultado comercial insatisfatório para a Disney, o cineasta permanece até hoje brigando judicialmente pelos direitos para realizar uma sequência do personagem no cinema.
Em tempos de Lanterna Verde(2011) estupidificando as sessões, talvez fosse hora de   Warren Beatty trazer outra aula de adaptação de quadrinhos para o cinema.
Com certeza muito cineasta ainda teria muito que aprender.


Quanto vale: Um ingresso com louvor.


 
Dick Tracy
(Dick Tracy)
Direção: Warren Beatty
Duração: 101 minutos
Ano de produção: 1990
Gênero: Policial / Ação

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