Em 2002, tanto o diretor Sam Raimi quanto o cinema de quadrinhos eram muito mais lembrados por obras toscas.
A
diferença é que Raimi fez seus trashmovies se tornarem cultmovies,
e a cinessérie “Evil Dead” ainda hoje é um exagero de estilo e
imaginação que exemplifica isso muito bem.
Quem
sabe tenha sido esse o motivo da contratação dele para a adaptação ao cinema do popular Homem-Aranha, pois, se não
parecia possível que um filme de HQ fosse algo além de um
sub-filme, nada melhor do que ter um especialista em transformar algo
potencialmente ridículo em algo memorável.
E
convenhamos, até aquele ponto pensar em um herói vestindo roupa
colorida pra caçar bandidos nas horas de folga era pelo menos
ridículo.
E
não adianta mencionar o Superman de Richard Donner, quando quase
tudo que veio a seguir (inclusive do escoteiro de Krypton) era
equivocado e fiasquento.
Ao
menos, Raimi não parecia se importar muito com isso, e nem mesmo o
bom resultado com X-Men – O Filme (2000) e a releitura dos
uniformes dos mutantes pelo Bryan Singer, fariam ele desistir de
representar o aracnídeo de maneira próxima ao que ele via nas HQs
de sua coleção.
Essa
maneira simples de encarar as coisas iria então permear o filme
todo, traduzindo o conteúdo dos requadros no cotidiano de
mediocridade do seu protagonista.
Filme
de origem? Claro.
Porém,
enquanto a temida trajetória do ser sob a máscara pode ser a ruína
de cineasta cumprindo contrato pro seu ego se inflar com o nome no
cartaz, o diretor de Homem-Aranha traz outros recursos do tempo em
que seus trabalhos contabilizavam o orçamento em galões de sangue
falso.
Em seu primeiro blockbuster, ele conta o drama de Peter Parker (Tobey Maguire) mantendo enfoque nas tragedias banais do dia-a-dia do nerd que é apaixonado pela guria da casa ao lado, sem conseguir conciliar a vida social com a vida estudantil, até que algo mude sua rotina de repente.
Então, dessa vez a missão do diretor seria conciliar drama, ação e humor, encarando o risco minuto a minuto de cair na pieguice, clichês, e insuportabilidade cinematográfica.
Então, dessa vez a missão do diretor seria conciliar drama, ação e humor, encarando o risco minuto a minuto de cair na pieguice, clichês, e insuportabilidade cinematográfica.
Mas pra quem conseguia um equilíbrio quase insano entre horror e humor, isso possivelmente não seria um grande desafio.
Ao redor de Parker orbitam tipos característicos: a garota mais popular, o amigo buscando aceitação paterna, o valentão do colégio... porém isso era parte da estrutura que aqui receberia um outro olhar, distanciando-se ao longo da metragem das comédias românticas adolescentes e dos arrasa-quarteirões histéricos em meio a explosões.
Ao redor de Parker orbitam tipos característicos: a garota mais popular, o amigo buscando aceitação paterna, o valentão do colégio... porém isso era parte da estrutura que aqui receberia um outro olhar, distanciando-se ao longo da metragem das comédias românticas adolescentes e dos arrasa-quarteirões histéricos em meio a explosões.
Há fatores que justificam a empatia quase instantânea que o personagem criado por Stan Lee e Steve Ditko despertou em gerações de leitores, e Sam Raimi parece tê-los compreendido perfeitamente.
Não
havia porque reinventar o protagonista para um novo público, afinal,
ele sempre representou o que havia de atemporal na juventude.
Então,
o tempo até que os embates com o vilão iniciem não é lamentado
por ser infelizmente uma necessidade em um primeiro episódio de uma
franquia, e sim saudado e lembrado por ter alguns dos melhores
momentos do filme, sejam o aprendizado do uso das novas habilidades,
ou a incapacidade de trocar duas palavras com a paixão platônica,
salientando a atuação inspirada de Maguire, que faz com que isso
pareça convincente ainda que envolto em uma aura de caricatura.
E
desse modo, enquanto a plateia aproveita as agruras de Peter Parker
às voltas com seus recém descobertos super-poderes, as quase
tentativas de aproximação com sua musa Mary Jane (Kirsten Dunst), a
construção da personalidade moldada em dualidade de Harry Osbourne
(James Franco), a preocupação com a tia May (Rosemary Harris), ou o
chefe hilariamente opressor J.J. Jameson (J.K. Simmons), o diretor
arquiteta a melhor maneira de investir essa que é a maior quantia
que ele já havia tido até a ocasião para fazer cinema.
É
momento de um vilão surgir no caminho, e ainda que nem todos
apreciem a versão hightech do Duende Verde idealizada para o filme,
mesmo isso não invalida a competência com que o cineasta,
juntamente com o ator Willem Dafoe tornaram o Norman Osbourne interpretado por ele um misto de pai ausente e inimigo mortal, em uma
trama que usa a ausência familiar na condição de força motriz
para ações e reações, lembrando que o próprio Peter tem na perda
dos pais e do seu tio Ben (Cliff Robertson) elementos fundamentais para a decisão de ser um herói.
Os embates com o seu nêmesis serão a oportunidade de provar que isso vai além de retórica, e não há modo de ignorar o fato de que não apenas eles foram trazidos às telas com bons efeitos especiais com os quais o diretor enfim podia contar, mas também porque ele fez isso sem abrir mão de grande fidelidade aos quadrinhos, tanto na historia quanto no visual colorido e até nostálgico do personagem.
O
gradual aprendizado do protagonista, e a dosagem adequada de ação
em meio ao desenrolar do enredo fazem com que seja fácil acompanhar
o longa-metragem até que a questão deixe de ser emprego ou amor ou
luta contra o crime, e passe a ser vida ou morte.
Assim,
sem que se perceba, o potencial videoclipe de duas horas cheio de
efeitos especiais afasta-se do rótulo, ao desenvolver com
competência seus personagens e roteiro, sem para isso ter que ser
menos vertiginoso, divertido e pirotécnico.
E
dessa forma, o filme de Sam Raimi resultou na despretensão de um
ingresso para descontrair que se tornaria fenômeno da cultura pop e
de bilheteria, e peça essencial para a retomada do cinema de HQs
iniciada com Blade: O Caçador de Vampiros (1998) e X-Men – O Filme.
O
Homem-Aranha foi criado para ser entretenimento puro, e nessa
encarnação na sétima arte não foi menos do que isso.
Um
excelente começo.
Quanto
vale: Um Ingresso.
Homem-Aranha
(Spider-man)
Direção:
Sam Raimi
Duração:
121 minutos
Ano
de produção: 2002
Gênero:
Aventura/Ação
2 comentários:
Realmente um excelente começo que teve o seu ápice no segundo filme e que, infelizmente, perdeu os seus poderes no terceiro.
Ótima maneira de resumir a trilogia, Fernando.
Acabou sobrando para o Batman ser a primeira competente trilogia de quadrinhos no cinema.
Aguardemos The Dark Knight Rises.
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