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terça-feira, 14 de setembro de 2010

À PROVA DE MORTE (2010)


Pra falar a verdade, chegou a um ponto em que ninguém mais esperava que esse filme pudesse estrear nos cinemas no Brasil.
Sendo assim, esclareço de imediato que a data no título da postagem refere-se ao ano de lançamento no Brasil (a data de produção está na ficha técnica, no final da postagem).
Pendengas judiciais à parte, ao menos tivemos a chance de conferir do modo que se deve sempre ver um novo trabalho de Tarantino.
Pois se o filme for uma porcaria, ainda assim a trilha sonora vai ser melhor apreciada com o máximo volume enquanto acompanha as cenas.
Nesse caso, a trilha nem é tão ousada assim. É realmente muito legal, mas não chega a roubar a atenção do que o diretor de “Pulp Fiction” (1994) e “Cães de Aluguel” (1992) preparou dessa vez.



O longa-metragem, inicialmente parte do projeto “Grindhouse”, em parceria com “Planeta Terror”, de Robert Rodriguez, trilha um território hoje tão inóspito, que a menção da sua sinopse não desperta nenhuma curiosidade. A única coisa que poderia tornar a história do piloto maníaco que atende pelo nome de “Dublê Mike” em algo razoavelmente interessante eram as doses cavalares de estilização e humor negro que constantemente integram os roteiros de Quentin Tarantino.

Obviamente que assistir um trabalho do cara exige aceitação das formas de cinema que ele assistiu durante a vida toda e que definem a proposta de seus filmes. Desse modo, novamente o cinema B ganha vida na forma de uma superprodução com todos os aspectos de uma obra tarantinesca.

As escolhas do diretor são dessa vez apresentadas de modo bem menos sutil.
Os interesses básicos surgem de imediato, não somente o peculiar fetiche por pés, mas principalmente os diálogos longos e extravagantes em sua banalidade, e a excêntrica violência característica de sua carreira.

Além disso, “À Prova de Morte” é visualmente perfeito no que se propõe, o que significa ser tosco e precário. Eu explico.

Buscando proximidade com os filmes de gênero que o inspiraram, ele capricha na fotografia e edição com ares de desgaste, além de erros de continuidade evidentes. Tudo conspirando para um inusitado passeio por toda uma época esquecida de produções com baixo orçamento e excelência na diversão descompromissada e a preços módicos, mas dessa vez com o devido cuidado e planejamento que o diretor faz questão de utilizar em sua filmografia.
 

Além dos elementos mencionados acima, o elenco é outra carta à disposição, desde o protagonista competentemente interpretado por Kurt Russell, e ainda a dublê da protagonista de “Kill Bill” (2003), e até os caçadores de nazistas de “Bastardos Inglórios” (2009). De maneira quase informal, todos atuam como se fosse um ensaio, imersos perfeitamente na realidade paralela retrô em que Tarantino habita.

Sendo assim, cada personagem adquire veracidade no espetáculo de humor perverso engendrado na trama. Suas falas não são destinadas a nos fazer questionar o sentido da vida, e quase sempre se estendem por vários assuntos, porém são um retrato muito aproximado de toda e qualquer conversa cotidiana. Talvez isso explique porque uma plateia inteira permanece atenta durante esses diálogos intermináveis, e ao fim dos mesmos não pensa: “que perda de tempo”.
Independente do tema abordado no enredo, o diretor parece dizer constantemente que nas mais inimagináveis histórias os protagonistas são reles pessoas comuns, tão similares em suas limitações e interesses a qualquer outra pessoa comum.

Isso sem falar no inesperado manifesto feminista que complementa a homenagem às mulheres que se estende por grande parte da duração do longa-metragem.
Mas durante a sessão, o ritmo com que as cenas são arquitetadas não permite esse tipo de constatação.
Mesmo quando os personagens falam sem parar, o filme se desenvolve com dinamismo surpreendente, porém, nada que se compare às cenas de ação.

Sem que o público perceba, já existe todo um suspense e tensão quanto ao resultado de cada espetacular embate automobilístico, em que os personagens que aos poucos se tornam carismáticos em suas particularidades vivenciam toda angústia e violência elaborada pela imaginação fértil que os conduziu às telas.

E por mais que em algum momento haja uma vaga ideia do que pode acontecer no desfecho da perseguição ou choque entre os carros, tudo não passa de outro equívoco propositalmente construído para aumentar a diversão de ser surpreendido por mais uma das ideias originais que o longa-metragem apresenta.

E isso sem deixar de ser retrô, um cinema feito à moda antiga, com o uso de dublês, e mostrando o rosto dos atores mesmo em uma das mais vertiginosas perseguições de carros do cinema recente.
Pra quem não conhece os outros filmes do diretor, eu não recomendo “À Prova de Morte” para começar a acompanhar sua carreira pelo simples fato de que, conforme demonstra o final do filme, trata-se de um mero exercício de estilo potencializado pelo talento de Quentin Tarantino, que novamente faz parecer fácil o trabalho de construir um bom filme.



Mais do que isso, “À Prova de Morte” é outra vez a forma que Tarantino conhece de agradecer e prestar uma homenagem à arte cinematográfica, tendo por resultado um dos filmes mais legais em cartaz em 2010 no Brasil.

Quanto vale: um ingresso.


 
Confira a VÍDEOCRÍTICA do filme pelo pessoal do Quadrinhos S.A..

À Prova de Morte
(Deathproof)
Direção: Quentin Tarantino
Duração: 114 minutos
Ano de produção: 2007
Gênero: Ação/Suspense

4 comentários:

Anônimo disse...

Eu acho que dessa vez não consegui entrar na "brincadeira tarantinesca". Por isso que eu não curti muito essa produção.

Antes de ver o filme eu mais ou menos já sabia que iria assistir aos diálogos longos e àquelas cenas típicas com os "caoetes" do Tarantino.

Eu curto muito o estilo do diretor e achei "Inglorious Bastards" fantástico, mas dessa vez a magia do Tarantino, pelo menos em mim, não surtiu efeito.

Marcel Jacques disse...

"...mero exercício de estilo..."?!
Discordo. Creio que ele já tenha
passado por este tipo de produção
substancial a uns 3 ou 4 filmes
atrás.

Guilherme Hollweg disse...

Curti a crítica, mas creio que Tarantino não encarou a produção como mero exercício de estilo, até porque já conhecemos sua obra característica. Marcante ousada e absurda.

Muito massa.


Guiga Hollweg

Marcel Ibaldo disse...

Pra falar a verdade, foi há uns 3 ou 4 filmes que ele começou com o estilo de cinema de homenagem que ele optou por desenvolver de um tempo pra cá.
Com isso veio a fase menos substancial de sua carreira.
Porém, com o filme "Bastardos Inglórios ele conseguiu enfim conciliar o cinema de homenagem com a sua ousadia característica.

Quanto a ser um exercício de estilo, o próprio Tarantino disse que realizou o filme simplesmente para "provar a si mesmo que ele era capaz de dirigir cenas de perseguições de carro tão envolventes quanto às dos filmes australianos dos anos 70 e 80.

Mesmo que em "Death Proof" tenha havido o apuro técnico frequente nos trabalhos dele, não há como negar que o filme é uma homenagem bem menos ousada do que "Bastardos Inglórios", por exemplo.
Não que isso seja um grave defeito.
Simplesmente foi a proposta dele, um filme empolgante e divertido, relembrando o tipo de cinema que ele assistiu naquela época.
O final deixa isso realmente óbvio e relembra que este não é um filme pra se levar tão a sério.
Afinal, é uma excelente alternativa para uma grindhouse, e um filme estiloso e muito legal.
É só isso.