Após “X-Men: O Confronto Final” (2006), ninguém sabia exatamente o que estaria por vir no universo mutante nas telas.
O resultado obtido no filme-solo de Wolverine, apesar de lucrativo e garantir uma sequência, ainda não deixava esclarecido o destino dos mutantes no cinema.
Porém, com certeza havia muito a ser explorado, tanto financeiramente quanto em se tratando de ideias.
A solução encontrada pra reverter o impasse das futuras produções foi algo bastante comum nos comics de heróis: retroceder na cronologia, nesse caso específico ao mesmo tempo aproveitando a aceitação do público com relação aos personagens, e futuramente renovar o elenco e buscar outras alternativas para tramas e escolhas as quais possam ter sido consideradas inadequadas em algum dos outros filmes.
Claro que por enquanto isso tudo é especulação.
Ninguém sabe onde a franquia mutante vai chegar, se bem que “X-Men: Primeira Classe” tem absoluta importância nessa definição.
E esse é um daqueles momentos em que o estúdio não pode errar, afinal, desde a escolha do diretor até a divulgação e os prazos de lançamento, simplesmente tudo deve favorecer um índice alto de sucesso nas bilheterias, e se possível, agradar a opinião da crítica.
Quanto ao diretor, uma escolha adequada a meu ver, mas que não eliminaria todo o risco.
Matthew Vaughn parece curtir mesmo esse universo adaptado de outras mídias, e volta e meia exercita sua capacidade de traduzir para o live-action históriashistórias com isso em comum.
Não que eu considere que tenha obtido êxito em tudo que tentou nesses projetos, mas há várias qualidades em Stardust (2007), apesar de que não tantas em Kick-Ass (2010).
De qualquer forma, a experiência ao lidar com esses dois enredos e linguagens tão diversas certamente conferiu-lhe perspectivas de abordagem que a maioria dos cineastas que se aventuram no cinema de quadrinhos nem ousaria imaginar.
Não haveria a garantia de um resultado positivo, no fim das contas, porém, realmente seria um filme interessante, no mínimo.
Então, finalmente surgem as primeiras informações na Internet, e a impressão inicial é... decepcionante.
Nada havia preparado os fãs para as fotos disponibilizadas fazendo parte do marketing desastroso que antecipava o que poderia ser um equívoco cinematográfico a rivalizar com “X-Men Origens: Wolverine” (2009).
O início do filme, ao menos, é um acerto evidente, ao reaproveitar a melhor cena de “X-Men: O Filme” (2000).
A sequência em que Erik Lensherr descobre seus poderes, tendo como catalisadores do processo os soldados nazistas que o separam de sua família, permite a Vaughn mostrar desdobramentos desse episódio, já servindo para estabelecer aos poucos os alicerces de seu novo trabalho.
A construção psicológica de Magneto (Michael Fassbender), e o vilão Sebastian Shaw (Kevin Bacon) serão os extremos que forçarão Charles Xavier (James McAvoy) a desafiar sua postura quanto à “questão mutante”.
Sem exageros ou excessos de estilização, logo a lembrança das fotos de divulgação é deixada de lado pelo simples fato de que, além de tudo estar plenamente bem feito e funcional no longa-metragem, a trama vai ficando cada vez mais envolvente.
Ambientada em 1962, a gênese da amizade entre Charles Xavier e Erik Lensherr é sinônimo de respeito aos quadrinhos que lhe originaram, além de um roteiro que investe na coesão e nos personagens, em detrimento da obsessão por efeitos CG que virou moda entre os diretores de pretensos blockbusters.
Matthew Vaughn mais uma vez demonstra seu interesse em ousar por novos rumos e aposta em uma estética de época, retrô, enquanto se aproxima dos filmes de espionagem, dessa vez confrontando a equipe ainda em formação dos X-Men, com o Clube do Inferno e a ameaça que eles fazem questão de tornar realidade na forma de uma cada vez mais próxima 3ª Guerra Mundial.
E ainda falando sobre a parte visual, “Firts Class” é mais uma vez Matthew Vaughn em sua insistente experimentação quanto ao que é adaptar quadrinhos para o cinema.
Equilibrar a estética proveniente do mundo dos super-heróis parecia constantemente o maior problema para os cineastas, e mesmo que Homem-Aranha tenha conseguido manter os uniformes coloridos sem prejudicar sua apreciação pelo público desacostumado com essas características, o jeito mais prático era o que o próprio Bryan Singer consolidou em “X-Men: O Filme”, e que o Batman Begins de Christopher Nolan recebeu de braços abertos: o visual sombrio em um ambiente de seriedade, que certamente funciona muito bem.
Mesmo assim, a tentativa de Vaughn, consequência de seus trabalhos anteriores, tinha um motivo para ser feita. Jamais outro filme de super-heróis conseguiu manter esse tom de seriedade com tantos elementos de suas histórias nos comics. Estão então em cena os a princípio tão questionáveis uniformes coloridos, que de maneira alguma direcionam o enredo para a temida abordagem caricatural, e até mesmo as divisões de tela lembrando o efeito presente na leitura das páginas, uma das inovações do Hulk de Ang Lee, retornam na medida certa, sem chamar mais atenção do que a história.
E por falar nisso, os atores que carregam a responsabilidade de substituir Patrick Stewart e Ian McKellen desempenham sua função com louvor.
O Charles Xavier interpretado por James McAvoy pode até parecer meio inesperado para quem apenas conhece o líder telepata em sua tranquilidade e discurso de tolerância já à frente da equipe dos X-Men. Mais interessado em bancar o conquistador, ele ainda está longe do mentor da super-equipe da Marvel Comics, o que é apenas parte da trajetória fantástica a qual o filme proporciona.
Os sacrifícios que serão exigidos vão apenas ser encarados em sua real magnitude após o que esse início de tudo irá reservar.
Apesar de que o Magneto de Michael Fassbender é nada menos do que extraordinário em sua busca de vingança contra aqueles que mataram sua família e destruíram qualquer resquício de confiança na humanidade que ele trazia até então.
Com crueza e completa compreensão de seu papel, ele comprova porque foi escolhido por Quentin Tarantino para estrelar a sequência mais tensa de Bastardos Inglórios (2009).
E isso sem mencionar a presença de Sebastian Shaw, o Rei Negro do Clube do Inferno, que na interpretação de Kevin Bacon torna-se de imediato um dos melhores vilões de quadrinhos a migrar para as telas, um fato ainda mais notório por se tratar de um filme no qual pensava-se que ele não fosse mais do que um coadjuvante em terceiro plano, diante da representatividade e importância do processo de transformação pelo qual passariam Magneto e Charles Xavier.
Enquanto isso, os demais, dos quais não se esperava que conseguissem mais do que preencher as cenas de ação, conseguem bem mais do que isso.
Mesmo a grande quantidade de heróis e vilões é conduzida de forma a aumentar o aspecto épico de “X-Men: First Class”.
E não apenas os já conhecidos Fera (Nicholas Hoult), Emma Frost (January Jones), e Mística (Jennifer Lawrence). Na verdade, apenas a mutante Angel (Zoë Kravitz) permanece na condição de simples aumento de número no elenco, pois os demais possuem participação e caracterizações fidedignas e convincentes.
E quanto à ação?
Claro que faz parte do filme, porém não segue a tendência, pois invés de ficar dependente exclusivamente de efeitos especiais gerados em computador, Vaughn preferiu manter tudo mais físico, mais real.
Aguarde então por embates estarrecedores, utilizados da maneira mais inteligente possível, ou seja: complementando o roteiro, e não o contrário.
E com isso ele cria os momentos mais empolgantes que qualquer aficcionado por filmes de ação poderia aguardar, envolto pela crescente e asfixiante atmosfera de imprevisibilidade em que cada detalhe vai sendo minuciosamente amarrado, fundindo a realidade histórica e a mitologia das HQs de maneira somente vista anteriormente em “Watchmen: O Filme”.
Óbvio que a estratégia poderia dar errado, pois ficaria com os diálogos a necessidade de prender a atenção da plateia.
E esses diálogos (por vezes proferidos pelos próprios atores em outros idiomas, semelhante ao que ocorre em Bastardos Inglórios) não apenas revisitam os questionamentos fundamentais dos filmes realizados anteriormente com os heróis, mas também direcionam o viés crítico para outros caminhos não menos contundentes e extraordinariamente repletos de uma visão cuja intensidade oportuniza ao espectador ir além de apenas acompanhar os primeiros passos nessa trama em que heroísmo e vilania dependem muito mais do grau de aceitação ou indignação quanto a um quadro social discriminatório, do que de interesses megalomaníacos de mero enriquecimento ou conquista do mundo.
Quando cada vez mais parecia que X-Men 2 (2003) permaneceria intocável na posição de melhor filme dos mutantes da Marvel, eis que “X-Men: Primeira Classe” é lançado e torna a missão de criar um grande longa-metragem de quadrinhos algo ainda mais desafiador.
Espetacular durante praticamente toda sua metragem, o reinício apresentado ao público é algo que deve demorar a ser superado.
O melhor trabalho de Matthew Vaughn, o melhor longa-metragem da franquia mutante até agora, uma das melhores adaptações de quadrinhos para o cinema, e um dos melhores filmes (senão o melhor) de heróis em live-action já realizado.
Houve um tempo em que, nos quadrinhos os X-Men eram a publicação mais interessante e audaciosa na cultura pop em seu veículo midiático.
Hoje, no cinema, eles voltaram a ser.
X-Men: Primeira Classe
(X-Men: First Class)
Direção: Matthew Vaughn
Duração: 132 minutos
Ano de produção: 2011
Gênero: Aventura/Ação
3 comentários:
Devo concordar com cada vírgula que tu escreveste. Matthew Vaughn dirigiu um trabalho excelente.
Ahhh, e pior que já vai sair do cinema e eu ainda não consegui ver!! Teve um dia que eu cheguei a comprar a entrada e tive que devolver por mudanças de planos... =/ vou tentar ver amanhã!! ç.ç fiquei ainda com mais vontade, hehehe! =] [http://www.librianavoadora.blogspot.com/]
Esse é realmente um filme pra não perder de ver no cinema, especialmente a sequência do submarino.
To até pensando em rever antes que saia de cartaz.
Filmaço.
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